quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Tudo -- inclusive o ano -- passa

Escrito por Ailin Aleixo,


A capacidade de esquecer é o que existe de mais precioso sobre a face da terra, sob as nossas faces. Amar é indubitavelmente mais magnânimo, mas não é tão essencial quanto o esquecimento: é ele que nos mantém vivos. O amor torna a paisagem mais bonita, mas é o bálsamo curativo do esquecimento que nos faz ter vontade de abrir os olhos para vê-la. A paixão empresta um sentido quase mítico aos dias, mas é esquecer da excruciante tristeza perante a morte dela que nos torna aptos para nos encantarmos novamente dali a pouco.

Já esqueci amores inesquecíveis e sobrevivi a paixões que, tinha convicção, me aniquilariam se terminassem. Às vezes cruzo na rua com fantasmas que já foram muito vivos na minha história e não deixo de sentir uma certa melancolia por perceber que aquele rosto um dia pleno de significado se tornou tão relevante quanto um outdoor de pasta de dente. Algumas pessoas são apagadas da memória como filmes desimportantes. Sem maldade o intenção; apenas esmaecem até desaparecer. Mas é mesmo impossível nos lembrar de todos os que passaram por nós: gente demais, espaço de menos. Da mesma forma que minha história está repleta de coadjuvantes e figurantes que, irrefletidamente, se auto-proclamavam protagonistas, eu devo ser a personagem cômica da história de alguém. Ninguém se esquiva da experiência constrangedora de bancar o bobo da corte no reino de outro.

Mas esse oco de significado não vem sem um certo pesar. É ruim notar que já não dizemos praticamente nada para quem importou tanto. Na verdade é dolorido ser olvidado: não é fácil encarar que não somos insubstituíveis e que nossa saída displicente abre uma possibilidade de entrada tão desejada por outros. Mas só nos desenroscamos e seguimos nosso rumo natural, em frente, quando eliminamos alguns seres que, caso contrário, nos prenderiam aos emaranhantes aguapés de recordações.

"Há pessoas que ficam doendo com a lembrança de outra pessoa, entra ano, sai ano, virando e revirando o caleidoscópio, olhando como caem e de dispõe as cores e os cristais do sofrimento" (Paulo Mendes Campos).

O passado deve ser mantido no lugar dele e não trazido nas costas feito mochila de viajante, lotado com os erros cometidos e alegrias jamais revividas. Para ser feliz é necessário pouca coisa além se livrar do excesso de carga e esquecer as coisas certas. É útil também jamais perder de vista um detalhe, afixá-lo no espelho do banheiro, repetir como um mantra: absolutamente nada é pra sempre, nem sentimentos que parecem ser. Nunca mais haverá amor como aquele? Ótimo, porque o novo é tão imenso que seria um desperdício se algo se repetisse.

Todo mundo passa. E é bom que seja assim.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Estórias de Pai e Filha

Minha atual leitura é o livro A Menina que Roubava Livros. A maioria dos comentários que li a respeito do livro falaram, principalmente sobre a narradora da estória - a morte.

Claro que o fato da morte narrar uma estória é realmente algo inusitado. Mais inusitado ainda o fato de ela ser uma excelente narradora!

Mas eu quero falar é a respeito da menina Liesel Meminger que, perdeu tudo que lhe era importante: o irmãozinho - a quem viu morrer nos braços da mãe - e sua mãe que, enfrentando as dificuldades de se viver na alemanha nazista, se viu obrigada a enregá-la a uma outra família.

Confesso que não gostei da parte inicial do livro. A parte onde a nossa amiga morte narra o percurso da menina até sua nova casa e sua família adotiva. Mas então, a estória se enche de beleza, pois a menina Liesel ganha um grande presente em sua vida: seu pai adotivo Hans Hubermann.

A partir daí a ilustre narradora começar a contar-no um pouco da vida cotidiana da menina Liesel, sua infância, sua família adotiva e, com uma bondade inesperada, a morte nos presenteia com lindas narrativas sobre a relação cada vez mais estreita entre pai e filha, entre Liesel e Hans. Ainda estou no início do livro, mas espero que a narrdora saiba conduzir toda a estória com a mesma beleza que tem usado para descrever os momentos de Liesel com seu pai adotivo.

Acho que certos personagens são universalmente tocantes, como a figura de pais e mães, por exemplo. Os momentos de Liesel e Hans lembram-me momentos meus com meu pai em minha infância... A forma paciente como ele faz companhia a ela à noite após os pesadelos, o carinho, as piscadelas disfaçadas...quando ele toca acordeão para ela...Esta última passagem em especial me lemba muito meu pai, que quando eu era criança, sempre cantava pra mim um cantiga engraçadinha assim:

Cabelo loiro vai lá em casa passear
Vai, vai cabelo loiro
Vai cabar de me matar

Estou na sombra da noite
Pensando na luz do dia
O dia inteiro penso estar
À noite em sua companhia

Cabelo loiro vai lá em casa passear
Vai, vai cabelo loiro
Vai cabar de me matar

Você diz que bala mata
Bala não mata ninguém
A bala que mais me mata
É o desprezo do meu bem

Cabelo loiro vai lá em casa passear
Vai, vai cabelo loiro
Vai cabar de me matar

Casa de pobre é ranchinho
Casa de rico é de telha
Se ter amor fosse crime
Minha casa era cadeia

Cabelo loiro vai lá em casa passear
Vai, vai cabelo loiro
Vai cabar de me matar

Quanto mais tu me despreza
A dor no meu peito inflama
Quem eu quero não me quer
E quem eu quero não me ama

Cabelo loiro vai lá em casa passear
Vai, vai cabelo loiro
Vai cabar de me matar

Beija flor que beija a rosaSe despede do jardim
Assim fez o meu amor
Quando despediu de mim

Cabelo loiro vai lá em casa passear
Vai, vai cabelo loiro
Vai cabar de me matar

Engraçado como tudo hoje em dia me lembra meu pai e faz doer em mim as saudades.