sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade

3 comentários:

railer disse...

"eu queria amá-la,
amá-la como ninguém,
mas amá-la é impossível,
por que a mala ficou no trem"

hehe

Anônimo disse...

Drummond, ah, Drummond! Ele sabe das coisas!

obrigada pela visita a meu blog, volte sempre!

bjos!

Walkíria Almeida disse...

Lindíssimo esta poesia...

Define, mesmo sendo um sentimento indescritível, o amor de uma forma maravilhosa