segunda-feira, 7 de maio de 2007

Martha Medeiros

Quando descobri os textos e poesias desta escritora, gostei de imediato!
Ela tem um jeito único de escrever!
E sempre me parece que ela faz da escrita, uma arma libertária para ela mesma e para nós - leitores. (claro que esta é apenas uma interpretação minha)
Segue um de seus deliciosos textos:
Percepção da Solidão

Martha Medeiros, 21 de setembro de 2004

Uma mulher entra no cinema, sozinha. Acomoda-se na última fila. Desliga o celular e espera o início do filme. Enquanto isso, outra mulher entra na mesma sala e se acomoda na quinta fila, sozinha também. O filme começa.

Charada: qual das duas está mais sozinha?

Só uma delas está realmente sozinha: a que não tem um amor, a que não está com a vida preenchida de afetos. Já a outra foi ao cinema sozinha, mas não está só, mesmo numa situação idêntica a da outra mulher. Ela tem uma família, ela tem alguém, ela tem um álibi.

Muitas mulheres já viveram isso - e homens também. Você viaja sozinha, almoça sozinha em restaurantes, mas não se sente só porque é apenas uma contingência do momento - há alguém a sua espera em casa. Esta retaguarda alivia a sensação de solidão. Você está sozinha, não é sozinha.

Então de repente você perde seu amor e sua sensação de solidão muda completamente. Você pode continuar fazendo tudo o que fazia antes - sozinha - mas agora a solidão pesará como nunca pesou. Agora ela não é mais uma opção, é um fardo. Isso não é nenhuma raridade, acontece às pencas.

Nossa percepção de solidão infelizmente ainda depende do nosso status social. Se você tem alguém, você encara a vida sem preconceitos, você expõe-se sem se preocupar com o que pensam os outros, você lida com sua solidão com maturidade e bom humor.

No entanto, se você carrega o estigma de solitária, sua solidão triplicará de tamanho, ela não será algo fácil de levar, como uma bolsa. Ela será uma cruz de chumbo. É como se todos pudessem enxergar as ausências que você carrega, como se todos apontassem em sua direção: ela está sozinha no cinema por falta de companhia!

Por que ninguém aponta para a outra, que está igualmente sozinha? Porque ninguém está, de fato, apontando para nenhuma das duas. Quem aponta somos nós mesmos, para nosso próprio umbigo. Somos nós que nos cobramos, somos nós que nos julgamos. Ninguém está sozinho quando curte a própria companhia, porém somos reféns das convenções, e quando estamos sós, nossa solidão parece piscar uma luz vermelha chamando a atenção de todos.

Relaxe. A solidão é invisível. Só é percebida por dentro.

Um comentário:

Bruna disse...

Oi Leila! Eu adoro a Martha Medeiros, mas tenho 2 observações sobre este texto:

1) Esta solidão que ela diz, do status social, é apontada pelas pessoas de fora sim. As pessoas realmente se incomodam se você diz que é sozinha e é feliz. As pessoas a todo momento te perguntam se você está namorando, casando, amando... como se esta fosse a sua única opção. E mesmo que estejamos realizados por dentro, eles nos acham sim, solitários.

2) Mesmo estando casados, com filhos, com uma vida (teoricamente) perfeita, podemos nos sentir extremamente solitários, por infindáveis motivos, simplesmente porque o conceito de perfeição é particular. Neste ponto, eu concordo que a solidão está dentro da gente.

Beijos pra você!